Opinião Culinária às avessas


04/05/2012 17:32 | Vitor Sapienza

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*Há dias, ouvi a conversa de duas senhoras, bastante idosas, que trocavam receitas de bolo. A conversa se estendeu a ponto de atrair a atenção de outros frequentadores do Lar Dona Pina, em Guarujá, onde desenvolvemos um trabalho bastante intenso com o pessoal da Melhor Idade. Elas ficaram tão empolgadas com o que diziam, que chegaram a contagiar até mesmo este deputado, nada chegado a dotes culinários, nem a humilde capacidade de fritar um ovo. Uma delas sugeriu que a amiga ficasse atenta à massa de bolo que iria preparar, e que colocasse "um tanto" de fermento. A outra balançou a cabeça, aceitando a sugestão, e prometeu que ao chegar em casa, encheria o forno à lenha com aquele bolo milagroso.

Sem querer entrar no mérito da receita, até porque já destaquei que nunca fui do ramo, fiquei intrigado com o termo "um tanto". O que seria isso, qual a quantidade, qual a referência para o tal "um tanto"? Não sei o resto da história, mas confesso que isso me deixou ressabiado. Será que, na dúvida, devemos aplicar a doutrina do "um tanto"? Dirijo a pergunta ao nosso governo, em relação à nossa política econômica. Se desconfiam de que vai crescer a inflação, aumentam os juros, dizendo que isso servirá para conter o consumo. Se o povo reclama dos preços, baixam os juros e tremem de medo da alta do dólar. Se sobra dólar no mercado, compram - e pagam juros abusivos -, aumentando a dívida interna. Se cai o Produto Interno Bruto, dão entrevistas e se justificam culpando o cenário mundial. Se gastam muito, escondem de nós, pobres mortais, e aumentam a carga tributária. Ao menor sinal de mudança nos ventos da economia mundial, apertam o cerco sobre o pobre contribuinte, sob as mais variadas justificativas.

A impressão que fica é a de que estamos à mercê de algum bruxo que, disposto a encontrar uma poção milagrosa, vai despejando "um tanto" disso, um tanto daquilo - ou de tudo junto -, e vamos pagando as consequências da fatídica mistura. É exatamente aí que me lembro das duas senhoras, sob os olhares atentos das demais. Atentas, porém sem condições de perguntar, de sugerir, de questionar se o tal "um tanto" era, de fato, a dose certa. A dúvida persiste porque fica nítido que eles, da nossa equipe econômica, erram na dose - e levam ao forno quente uma massa amorfa, sem consistência.

Eles erram na dose e prejudicam a massa. Mas a massa não tem voz, não tem forma, não tem palavra. Ela é, na verdade, "um tanto" estranha, sem personalidade, sem consciência e sem parâmetro. Continuamos alvos dos erros e acertos dos culinaristas de plantão. Triste, muito triste.

*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

"Se desconfiam de que vai crescer a inflação, aumentam os juros, dizendo que isso servirá para conter o consumo"

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