Audiência pública denuncia "lawfare" contra militantes de movimentos sociais

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13/03/2025 14:41 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Por iniciativa de Carlos Giannazi (PSOL), foi realizada em 11/3, no ambiente virtual da Alesp, uma audiência pública contra a perseguição e condenação na esfera do Poder Judiciário de Camila Alves e Aldo Santos, dois militantes de movimentos sociais que participam ativamente da luta por justiça social e pela construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Entre muitos outros companheiros de luta, os dois militantes atuaram no conjunto de ações que envolveram o acampamento Santo Dias, realizado em 2003 pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em um terreno desocupado da indústria Volkswagen, em São Bernardo do Campo.

"Esse ataque à Camila e ao Aldo significa um ataque a todos os lutadores e movimentos sociais, e nós não podemos permitir que isso aconteça. Essa audiência pública tem como foco central repudiar todo esse processo de ?lawfare?, de perseguição jurídica contra duas pessoas que lutaram e lutam até hoje, sobretudo na área da moradia popular", disse o deputado na abertura do evento.

Acampamento Santo Dias

Camila Alves fez um resumo de todos os fatos desde o início do acampamento, na madrugada de 20 de julho em 2003, em área desativada da Volks que havia anos não cumpria mais qualquer função social: a empresa tinha até mesmo demolido as edificações anteriormente presentes no local com o objetivo de não mais pagar a parcela do IPTU referente à área construída.

O acampamento durou apenas 17 dias. A multinacional alemã obteve uma decisão liminar de reintegração de posse em primeira instância, que chegou a ser temporariamente suspensa no Tribunal de Justiça. Infelizmente, a ordem judicial foi cumprida pela PM em 7 de agosto.

"As famílias foram despejadas violentamente, com um forte efetivo e aparato militar. E as pessoas foram agredidas mesmo após o despejo, porque seu pertences haviam sido levados por caminhões até a Via Anchieta, e muitos foram agredidos e feridos nesse local, no momento em que tentavam reaver os seus bens. Outras agressões ainda ocorreram em frente ao paço municipal de São Bernardo do Campo, para onde seguiram as famílias desalojadas", relatou.

Ação judicial

Conforme Camila, no final daquele ano, o Ministério Público de São Bernardo do Campo ingressou com uma ação civil pública contra o MTST, suas lideranças, e o então vereador Aldo Santos. A acusação era a de parcelamento irregular do solo. "Na verdade, o Ministério Público desconhece a sistemática de luta do MTST. Ocupação não é loteamento, ninguém divide o lote, portanto não há crime configurado de loteamento irregular. Quanto à violação ao direito à propriedade, naquela época o terreno já estava abandonado havia muitos anos pela Volkswagen do Brasil, não cumpria mais a sua função social", argumentou.

Contra o então vereador Aldo Santos, a acusação foi ainda mais perversa. Ele teria cometido improbidade administrativa ao disponibilizar uma perua Kombi da Câmara Municipal para socorrer mulheres, doentes, idosos e crianças que estavam na ocupação, transportando-os para prontos-socorros e hospitais da região.

Em primeira instância, a ação civil pública foi julgada improcedente, porque o juiz entendeu não haver elementos que caracterizassem o dano material, tampouco haveria possibilidade de configurar o MTST e suas lideranças no polo passivo da ação, uma vez que houve a participação de mais de 10 mil famílias. Entretanto, o MP ingressou com um apelação ao Tribunal de Justiça, que reformou a decisão desfavoravelmente a Camila Alves e Aldo Santos. O MTST foi mantido fora da ação por não ser uma entidade formalmente constituída, com contrato social e CNPJ.

"Nós ingressamos com diversos recursos ao STJ e ao STF. Primeiro, porque nós não éramos as únicas lideranças, segundo, porque seria necessária a individualização da responsabilidade de cada um segundo sua participação", afirmou Camila Alves. Entretanto, o processo de conhecimento terminou em 2018 com decisão desfavorável aos ativistas, e o Ministério Público iniciou então o processo de execução da sentença, quando atualizou a dívida para um valor superior a R$ 1,5 milhão, algo impagável no contexto da advogada Camila Alves e do professor aposentado Aldo Santos. Inicialmente, ambos tiveram suas contas bancárias totalmente bloqueadas, com os valores sendo arrestados para a satisfação da sentença.

"O Aldo é aposentado, e eu tenho meu único meio de sustento no meu trabalho como advogada", afirmou Camila, ao explicar que essas fontes de renda são, ao menos parcialmente, impenhoráveis. Mas a cada bloqueio que sofrem em suas contas, passam-se meses até que os recursos sejam julgados e os valores de natureza alimentar voltem a ser disponibilizados.

Residência penhorada

Além da retenção de sua aposentadoria, Aldo Santos está sofrendo uma outra ilegalidade. Em 9 de fevereiro, ele recebeu a visita de dois oficiais de justiça, que deram procedimento à penhora de seu único imóvel, local de sua moradia, que agora pode ir a leilão a qualquer momento. E isso está ocorrendo apesar de a situação não constituir nenhuma das exceções que permitem a penhorabilidade do bem de família, garantia mínima para a vida digna.

"O Poder Judiciário está sendo usado para uma tentativa de silenciamento político", afirmou Aldo Santos, que também destacou o fato de estar sofrendo, junto com Camila, a perda de seus direitos políticos. "Eles te pegam de todos os lados para tentar te humilhar, para tentar te destruir do ponto de vista psicoemocional, para poder tentar te silenciar e calar o movimento social, mas eu acho que eles mexeram com a pessoa errada. Enquanto houver pessoas sem teto, enquanto não se fizer a reforma agrária e a reforma urbana, eu não vou me calar, vou continuar de cabeça erguida com a convicção de que estou do lado certo, o lado das pessoas humilhadas, excluídas e segregadas neste país há mais de 500 anos", afirmou.

Sem lesão ao erário

O advogado Jaime Fregel ressaltou que a acusação de improbidade administrativa movida contra Aldo Santos foi motivada por um ato de socorro às pessoas em situação de vulnerabilidade, em que o vereador disponibilizou uma Kombi da Câmara Municipal para retirar pessoas da ocupação, em especial crianças, idosos e pessoas com enfermidade, visto que haveria uma ação policial de reintegração de posse com possível confronto entre polícia e ocupantes. O veículo, que estava à disposição do mandato de Aldo Santos, não sofreu nenhuma avaria que pudesse causar prejuízo aos cofres públicos, tampouco gerou qualquer benefício pessoal ao vereador, o que foi apurado pelo Legislativo municipal em sede de sindicância.

"É importante destacar ainda que socorrer pessoas e tirá-las de uma situação de risco é função do Estado. Foi somente ante à omissão do Estado que o vereador atuou para executar uma atribuição prevista na Constituição Federal", ponderou o advogado.

Fregel defende ainda o caráter retroativo, quando em benefício de réu, da Nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021), que passou a exigir, para a configuração do delito, o dolo específico, ou seja, a demonstração da má-fé por meio de um conluio entre os agentes. "Essa responsabilização foi dada de forma arbitrária ao professor Aldo e à doutora Camila. Hoje, essa decisão é completamente anacrônica", argumentou.

Apoios

Para o vereador Celso Giannazi (PSOL), há obviamente um processo de criminalização dos movimentos de moradia que não pode ser normalizado. "Nós vamos usar a tribuna da Câmara Municipal para denunciar esse absurdo e buscar formas de rever essa punição, inclusive porque ela abre um precedente muito ruim para qualquer movimento social." Celso Giannazi também se comprometeu a aprovar no maior parlamento municipal da América Latina uma moção de repúdio a essa condenação injusta, movimento que será também feito por Carlos Giannazi na Assembleia Legislativa e pela deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), em Brasília.

Para a deputada federal, ante o evidente caso de "lawfare", a instância a ser acionada é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão competente para responsabilizar magistrados por decisões arbitrárias. Conforme sugestão de Carlos Giannazi, será acionado também o Conselho Nacional do Ministério Público, uma vez que a ação em questão teve origem no MP estadual.

"Esse é mais um ataque à nossa democracia, que é tão fragilizada. É uma tentativa absurda de calar as vozes de quem sempre esteve ao lado da população, organizando e fortalecendo aqueles que mais precisam. A luta pela casa e pela terra é a luta que funda esse país, e os senhores da Casa Grande até hoje insistem em negar esse mínimo ao povo, uma casa para morar", afirmou Luciene. "Camila e Aldo merecem um pedido de desculpas do Estado brasileiro, e uma indenização, porque são mais de duas décadas de perseguição e sofrimento", analisou.

Prestaram solidariedade a Camila Alves e Aldo Santos: Laís Andrade, do Centro do Professorado Paulista (CPP); Marcelo Buzzetto, do MST; Anderson Dalecio, do MTST; Paulo Neves, da Apeoesp; Neuza Aparecida, da Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Brasil (Aproffib); Eliana Ferreira, do PSTU; o pastor e professor de filosofia Hélio Rios; Cleiton Coutinho, do PT de São Bernardo; além das professoras Wanderléa e Cátia.

Encaminhamentos

Entre os encaminhamentos da audiência pública, ficou decidido que, além de se acionarem o CNJ e o CNMP, serão elaboradas moções de apoio na Câmara Municipal de São Paulo, na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados, com a assinatura das bancadas do PSOL, do PT e do PCdoB. Será também montada uma comissão para coordenar as próximas ações, entre elas a realização de um grande ato público. Por fim, as bancadas progressistas na Câmara dos Deputados vão solicitar uma audiência com o presidente Lula e com a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo.

Conforme lembrou Anderson Dalecio, existe há 35 anos em São Bernardo a Vila Lulaldo - nome que homenageia os dois políticos - , um bairro próximo ao Km 28 da Anchieta decorrente de uma ocupação que só não foi despejada por causa da atuação conjunta do então presidente nacional do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e do então vereador pelo mesmo partido, Aldo Santos. "O presidente da República não pode simplesmente fechar os olhos e dar as costas para aquele que luta por moradia", argumentou Dalecio.


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