Em defesa do pensamento crítico: audiência alerta para desmonte do ensino de filosofia e sociologia

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08/12/2025 19:28 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Audiência reúne parlamentares e professores<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358203.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Parlamentares, educadores e representantes de entidades de classe se reuniram na Assembleia Legislativa, em 5/12, para denunciar o desmonte deliberado do ensino de filosofia e sociologia na rede pública estadual. Realizado por iniciativa da deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP) em parceria com o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), o seminário "A importância do ensino da filosofia e da sociologia na educação básica" revelou um cenário de redução drástica no número de aulas, reflexo de um projeto educacional que, segundo os participantes, visa formar mão de obra acrítica em detrimento de cidadãos conscientes.

A audiência, transmitida ao vivo pelos canais da Câmara dos Deputados e da Alesp, contou com a participação de representantes da Associação Brasileira de Ensino de Filosofia (Abefil), da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (Abecs), do Sindicato de Especialistas de Educação (Udemo), da Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Brasil (Aproffib) e de sua homóloga no Estado, a Aproffesp. Também prestigiou o encontro o vereador paulistano Celso Giannazi (PSOL).

Contexto do desmonte

Luciene Cavalcante relembrou a luta no Congresso Nacional, em 2024, quando houve uma tentativa de se reverterem os efeitos da reforma do ensino médio de 2017, implementada no governo Michel Temer. A chamada "reforma da reforma", entretanto, apesar de reafirmar a obrigatoriedade das disciplinas, deu autonomia aos Estados para que definissem sua carga horária, o que resultou em um corte severo em alguns Estados. "Mais de 60% da carga horária dessas disciplinas foram retiradas do ensino médio no Estado de São Paulo", alertou.

Luciene também fez uma conexão direta entre o ataque a essas disciplinas e um projeto político maior. "É passado para a população que esses conteúdos não farão diferença na vida dos estudantes, o que é uma mentira", afirmou, destacando que a negação do acesso a uma educação integral e crítica impossibilita os jovens de acessar as melhores faculdades e oportunidades. "Esses governos golpistas querem fazer da escola um espaço de perpetuação da desigualdade."

O deputado Carlos Giannazi prosseguiu com a denúncia, detalhando a Resolução Seduc 156/2025, que estabelece a matriz curricular paulista para 2026. "Nossos alunos, em todo o ensino médio, só terão acesso a duas aulas de filosofia por semana durante um ano. Em alguns cursos, sociologia chega a sair completamente do currículo", explicou. Giannazi comparou a situação ao período da ditadura militar, quando essas disciplinas foram substituídas por educação moral e cívica, uma disciplina criada para incutir nas crianças os valores da ditadura. "Hoje, filosofia e sociologia estão sendo substituídas por outras matérias ligadas ao neoliberalismo, como oratória (3 aulas), empreendedorismo (3 aulas) e educação financeira (4 aulas). A ideia é retirar dos alunos qualquer senso crítico que possa contestar o mundo precário que encontrarão pela frente."

Desigualdade regional

A presidente da Abefil, Patrícia Velasco, apresentou dados técnicos que corroboram a gravidade da situação em São Paulo. Um estudo da associação mostrou que, embora a lei de 2024 tenha aumentado a carga horária total da formação geral básica, aquela destinada à filosofia se manteve, em números absolutos, a mesma de 2017, o que configura uma redução proporcional. "A rede estadual de São Paulo tem a menor carga horária de filosofia do país: apenas 80 horas totais no ensino médio", destacou. Em comparação, Sergipe oferece 160 horas no ensino regular e 240 horas no ensino integral. "O estudante paulista tem metade ou um terço do acesso à filosofia. Isso é uma desvantagem clara no Enem e nos vestibulares, onde a quantidade de questões dessa disciplina é a mesma para todos."

Josefa Alexandrina da Silva, vice-presidente da Abecs, focou no impacto humano que essas políticas têm no magistério. "A redução das aulas impacta significativamente a vida dos professores", disse, referindo-se aos cerca de 1.780 professores efetivos de sociologia no Estado, muitos dos quais são obrigados a trabalhar em várias escolas. Ela também vinculou o ataque às disciplinas a um projeto de impedir a mobilidade social. "É uma política deliberada de impedir que os estudantes da escola pública tenham acesso à universidade pública, já que USP e Unicamp cobram sociologia em seus vestibulares", salientou.

Projeto de sociedade

Todos os discursos foram unânimes em interpretar as mudanças curriculares como parte de um projeto excludente de sociedade. Chico Poli, presidente da Udemo, foi contundente: "O secretário Renato Feder e o governador Tarcísio de Freitas pensam que o currículo deveria ter só inglês, matemática e tecnologia, porque é nessas disciplinas que ele pode vender suas plataformas". O sindicalista criticou a lógica de oferecer aos pobres uma escola rebaixada, enquanto a elite estuda em colégios privados com amplo acesso às humanidades. "Ao rico, a riqueza; ao pobre, a pobreza. Inclusive intelectual."

O professor Aldo Santos, vice-presidente da Aproffib, enxerga o conflito em termos de luta de classes. "A filosofia revela de forma nítida o confronto entre ricos e pobres", afirmou, relacionando a efervescência dos movimentos estudantis de 2013 ao ensino crítico. Aldo Santos também denunciou o desrespeito ao edital do concurso de 2023, já que a convocação dos aprovados praticamente excluiu os professores de filosofia e sociologia. "Eles fizeram um concurso e depois sabotaram a chamada. É um combate intencional à filosofia que parte da elite econômica, pois ela vê uma ameaça nos professores e na garotada da periferia", disse.

Ex-vereador de São Bernardo do Campo, Santos, junto com a líder do MST Camila Alves Candido, enfrenta um processo de lawfare por ter ajudado mulheres, crianças e doentes a sair da ocupação Santo Dias antes que se consumasse a violenta reintegração de posse do terreno, promovida pela Polícia Militar.

Resistência e mobilização

O tom de todo o encontro foi de resistência. Luciene Cavalcante detalhou uma série de pautas importantes que serão votadas no Congresso, como o Plano Nacional de Educação, o piso dos profissionais da educação não-docentes e o projeto "Descongela", que devolve 583 dias de evolução na carreira dos servidores públicos de todo o país, que foram congelados no governo Bolsonaro. "Nossa tarefa é dialogar com todos os deputados e senadores. Não podemos aceitar a farsa da Reforma Administrativa, que representa o fim do concurso público", conclamou a parlamentar.

Carlos Giannazi e Celso Giannazi destacaram projetos de lei em tramitação na Alesp e na Câmara Municipal de São Paulo, que visam instituir o ensino de filosofia no ensino fundamental e ampliar sua carga horária no ensino médio. "Eles querem impor uma visão neoliberal, com disciplinas de empreendedorismo e educação financeira. Nós queremos filosofia e sociologia", disse Celso.

Chico Gretter, vice-presidente da Aproffesp, e o professor Aldo Santos finalizaram com um chamado à rebeldia pedagógica. "Chamamos os professores a não se submeterem. Se os obrigam a dar educação financeira, vamos discutir o que é o capital no sentido marxista", propôs Aldo. Gretter reforçou: "É uma questão de civilização. Nossa elite vive como a dos países mais ricos do mundo e entrega milhões à fome, à miséria e à alienação. Nós não podemos aceitar isso em nome da filosofia, em nome da educação".

A audiência pública deixou claro que a defesa da filosofia e da sociologia vai muito além de uma questão classista. Ela é uma trincheira fundamental na batalha pela construção de uma sociedade mais justa. Retirar essas disciplinas é impedir a formação de cidadãos capazes de analisar criticamente as estruturas sociais e de lutar por direitos. O evento em São Paulo foi o primeiro de uma série que a deputada federal Luciene pretende realizar em todo o país.

alesp