Audiência pública denuncia falta de transparência na municipalização do Caps Itapeva

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16/12/2025 19:18 | Atividade Parlamentar | Da Assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Audiência pública contra desmonte do CAPs Itapeva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358665.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Um clima de apreensão e resistência marcou a audiência pública realizada na noite da última quarta-feira (15/12), no plenário Tiradentes da Assembleia Legislativa. Convocado pelo deputado Carlos Giannazi (PSOL), o debate colocou em foco a municipalização do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Itapeva, processo que está ocorrendo a toque de caixa e sem qualquer participação dos usuários e dos profissionais do equipamento. A intenção da prefeitura é que, a partir de 1º de janeiro, a organização social (OS) Associação Filantrópica Nova Esperança (AFNE) assuma o controle por cerca de um ano, até que seja escolhida a OS que vai assumir definitivamente a gestão do Caps.

Time vencedor

Contrariando o ditado popular "em time que está ganhando não se mexe", a municipalização do equipamento põe em risco a expertise acumulada em 38 anos de funcionamento desse serviço pioneiro, que é um símbolo histórico da reforma psiquiátrica brasileira e serve de paradigma para as demais instituições. Inaugurado em 1987, na esquina das ruas Itapeva e Carlos Comenale, no bairro da Bela Vista, o primeiro Caps do Brasil recebeu o nome do psiquiatra alagoano Luís da Rocha Cerqueira. E essa homenagem diz muito sobre a atuação daquele Caps, já que o médico inovou o atendimento de pessoas com transtornos mentais graves, implantando alternativas comunitárias e humanizadas, o oposto do modelo manicomial tradicional.

Em 2007, o Caps Itapeva passou a ser gerido pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que administra mais de 500 unidades de saúde no país e que não está imune a críticas. Isso se dá porque, apesar de lidar quase exclusivamente com dinheiro público, esse tipo de organização não se sujeita às regras da administração pública, como a exigência de concurso para a contratação de pessoal ou a realização de licitação para compras. E, apesar de formalmente não terem fins lucrativos, essas entidades remuneram seus diretores com valores muito superiores ao teto remuneratório do serviço público.

Apesar dessas ressalvas, o Caps Itapeva é muito bem avaliado pelos pacientes e familiares, que elogiam desde a empatia dos servidores até a constante disponibilidade de todos os medicamentos prescritos.

Municipalização

Embora a municipalização seja uma diretriz do SUS, que preconiza a descentralização dos serviços para aproximar a gestão da realidade local, a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990) também prevê controle e participação social nas decisões, o que não está ocorrendo nesse caso.

A troca da SPDM pela AFNE caracterizada como um desmonte deliberado e uma privatização encoberta de um equipamento público de excelência.

Impacto humano

A usuária Eliana detalhou a riqueza terapêutica ameaçada: "Aqui não é só um lugar de tomar remédio. Participo da Oficina dos Anjos, que gera renda, do grupo de escrita Tarja Preta, das visitas a museus. Temos um escritório de advocacia voluntário para orientar sobre direitos. Tudo isso, construído em 38 anos, pode ser varrido por uma canetada, sem que ninguém tenha nos perguntado se concordamos". Betânia, outra usuária, expressou o receio de perder todos os vínculos construídos ao longo de anos: "Este Caps é minha rede de sobrevivência. A notícia da mudança veio como um choque. Eles dizem que vai ser tudo igual, mas como pode ser igual se vão tirar os profissionais que nos conhecem, os projetos que dão sentido à nossa semana? Me sinto novamente jogada no vale dos excluídos".

As famílias foram representadas pela mãe de um usuário com longa trajetória no serviço, que falou entre lágrimas: "Meu filho tem uma relação vital com a psicóloga e com a equipe. Quando acontecem as crises, eles vão à minha casa. Isso é cuidado territorial, é vínculo. Se cortam esse fio, é a vida do meu filho que estará em risco. Eu, como cuidadora, fico completamente desamparada. Para onde vamos correr?".

Levando a voz dos trabalhadores, a servidora Cidinha, com quatro décadas de experiência na saúde mental estadual, falou com a autoridade de quem viu histórias se construírem: "Aqui a gente trabalha com vale-refeição de fome (R$ 12,00, o infame "vale-coxinha"), mas fica pelo compromisso com as pessoas. O que estão fazendo não é uma simples mudança de gestão. É a desconstrução proposital de um modelo que dá certo, para enfraquecer o serviço público e abrir espaço para interesses privados". Uma das poucas informações que foram informalmente divulgadas é a de que a AFNE não vai manter o quadro atual de funcionários e os que pretenderem permanecer no Caps deverão se pedir demissão da SPDM, para então serem recontratados com salários mais baixos.

Ilegalidades

Para além da comoção, a audiência se destacou pelo embasamento técnico-jurídico apresentado. A psiquiatra Júlia Catunda explicou que o Caps Itapeva representa uma clínica ampliada da psicose, onde o medicamento é apenas uma ferramenta dentro de um ecossistema terapêutico baseado em vínculo, arte, cultura e trabalho. "As medicações antipsicóticas não são suficientes, é preciso ter uma ambiência. Hoje o Caps Itapeva tem diversos projetos de inclusão, de arte e de economia solidária que são necessários. E o que está sendo proposto é jogá-los no lixo", afirmou a idealizadora da grife Das Doidas.

Foram as exposições de Marcella Milano, presidente do Sindicato dos Psicólogos (Sinpsi-SP), e de Leonardo Pinho, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), detalharam as irregularidades jurídicas. "O contrato da SPDM vai ser interrompido no dia 31 e a AFNE assumirá em 1º de janeiro. O que se vê, porém, é um processo realizado sem a participação e sem controle social. Sequer foram consultados os conselhos Estadual e Municipal de saúde", disse Marcella, declarando, entretanto, sua convicção de que os serviços públicos devam ser geridos diretamente pelo poder público.

Pinho foi categórico: "Há um descumprimento sequencial da lei. Primeiro, da Lei 8.142/1990, que obriga a participação dos Conselhos de Saúde e da comunidade em qualquer

mudança substantiva nos serviços. Depois, da Lei 8.080/1990, que determina como princípio a participação comunitária. E, por fim, da Lei 9.637/1998 e do artigo 37 da Constituição, que exigem impessoalidade, transparência e chamamento público em processos que envolvam Organizações Sociais. A transição da Santa Casa para a AFNE não passou por nenhum desses crivos. Ele e outros palestrantes reforçaram a tese de que a municipalização, instituída como diretriz do SUS, está sendo usada como cortina de fumaça para sucatear a saúde mental".

Encaminhamentos

De Brasília, a deputada federal Luciene Cavalcante e o vereador Celso Giannazi, ambos do PSOL, enviaram vídeos destacando sua solidariedade na luta pelo Caps Itapeva. Luciene classificou a municipalização como "um ataque à saúde pública" e que prometeu o envio de recursos para o centro por meio de emenda parlamentar, tal como fez no ano anterior. Já o vereador Giannazi criticou a precariedade dos serviços de saúde e de assistência social no município, por isso considerou que a transparência do Caps para a rede municipal inevitavelmente acarretará sucateamento. Ele afirmou estar em tratativas com o secretário municipal de saúde, Luiz Carlos Zamarco, para que os projetos não sejam descontinuados.

O deputado Carlos Giannazi, anfitrião do evento, relacionou o caso a uma batalha macro: a disputa pelo orçamento público. "Enquanto aprovamos isenções fiscais bilionárias para grandes grupos, o SUS definha por subfinanciamento. Defender o Caps Itapeva é defender a destinação dos recursos públicos para o povo, não para o lucro de terceiros", declarou. Como encaminhamento, Giannazi listou um plano de ação: a elaboração imediata de representações ao Ministério Público Estadual e à Defensoria Pública, contendo todo o teor das denúncias e pedidos de medidas cautelares para suspender o processo. Também será apresentado um requerimento formal de convocação do secretário estadual da Saúde, Eleuses Paiva, para que preste esclarecimentos detalhados e públicos perante as comissões de Saúde e de Finanças da Alesp.


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