O Legislativo paulista e a saúde pública no Estado ao longo da história: Meningite


21/08/2020 17:54 | A Alesp e as epidemias | Luiz Rheda

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Sede da Assembleia Legislativa durante o primeiro grande surto de meningite<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg253147.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Palácio das Indústrias, sede da Alesp durante o segundo surto de meningite no Estado<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg253146.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao longo da sua história, São Paulo teve de lidar com diversas epidemias, como a de Gripe Espanhola, Febre Amarela e Varíola. Em todos os casos, a rápida disseminação das doenças esteve ligada à alta densidade populacional e ao intenso fluxo migratório, fatores esses que também contribuíram para o surto de Meningite no estado.

Entre 1906, quando foram registrados os primeiros casos da doença em São Paulo entre imigrantes vindo de Portugal, e 1911, ocorreram infecções dispersas entre europeus que viviam por aqui. A partir de 1919, a Meningite passou a ser identificada de forma rotineira entre brasileiros.

Nessa época, a ocupação da área urbana da capital paulista se dava do centro para os bairros marginais e podia ser dividida em quatro grupos: centro, regiões circunvizinhas, bairros periféricos e zonas rurais.

Consolação e Sé, que abrigavam a burguesia e famílias ricas, ficavam no Centro da cidade e, por isso, possuíam melhor infraestrutura, como rede de água e esgoto, luz elétrica, linhas de bonde e coleta de lixo.

As áreas ao redor desses distritos, como Liberdade, Bela Vista e Santa Efigênia, concentravam a classe trabalhadora e com condições financeiras inferiores. Nesses locais, as condições sanitárias deixavam a desejar, sendo permitida a construção de barracos de madeira e cortiços.

Nas regiões periféricas, como os bairros da Mooca e Brás, os habitantes eram predominantemente trabalhadores e imigrantes. A ausência de vias e de transporte urbano transformavam os bairros de Santana, Vila Mariana e Nossa Senhora do Ó em zonas suburbanas, onde predominavam atividades rurais para abastecer o restante da cidade.

Traçar as características do município era importante para entender a forma com que a disseminação da Meningite acontecia. Nos bairros com população elevada, baixas condições de higiene e grande quantidade de imigrantes, como Belém, Bom Retiro, Mooca e Brás, região onde ficava a Hospedaria dos Imigrantes, tinham o maior número de infectados pela doença.

Soma-se a isso a piora da situação econômica e social no Estado de São Paulo devido à crise decorrente da Primeira Guerra Mundial, as consequências da pandemia de Gripe Espanhola a partir de 1914 e a greve geral da indústria e do comércio em 1917. Nesse cenário, a Meningite encontrou as condições perfeitas para se proliferar.

No começo da década de 20 do século passado, a incidência da doença aumentou mais de oito vezes e foi crescendo aos poucos até atingir seu pico em 1923, quando a taxa de infecção foi 12 vezes maior que a média registrada no período anterior ao surto.

A Alesp e o surto de Meningite

Para diminuir e combater o contágio de doenças infecciosas, como a Meningite, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo criou uma série de normas sanitárias que deveriam ser seguidas por estabelecimentos comerciais e instituições médicas.

A Lei 1.596, reorganizou o Serviço Sanitário do Estado, criado no final do século passado para lidar com a epidemia de Varíola que reinava na terra dos bandeirantes.

De acordo com a nova norma, a notificação de casos de infecção da Meningite passaria a ser obrigatória. A ideia era permitir que o Poder Público agisse com rapidez para frear o contágio da enfermidade e a disseminação por todo o estado.

Depois desse procedimento, o doente seria colocado em quarentena, na sua própria casa ou em algum hospital. Além disso, o local em que o doente ficou e as roupas por ele usadas precisavam passar por uma rigorosa desinfecção.

Dentre as atribuições das autoridades sanitárias estava a visita ostensiva a depósitos, mercearias e restaurantes para inspecionar alimentos, bebidas e condições de higiene.

O novo código sanitário previa ainda que as habitações e os estabelecimentos deveriam ser amplos, arejados e construídos com materiais de fácil limpeza e, em alguns casos, com medidas pré-determinadas. Além disso, os alimentos precisavam estar protegidos contra poeira e moscas e não poderiam ser embrulhados em embalagens usadas.

A lei aprovada pela Assembleia regulamentava toda a cadeia de proteína animal, indo do abate, passando pelo transporte e armazenamento, até a venda para o consumidor. Os matadouros, por exemplo, precisavam ter a planta aprovada pelo Serviço Sanitário, que determinaria ainda se o local, as condições de construção e as instalações frigoríficas estavam de acordo com os preceitos mais modernos de higiene.

A inovação do ordenamento jurídico estadual com tantas regras pode parecer exagero em um primeiro momento, mas revelava a preocupação dos parlamentares paulistas com a saúde pública no Estado, sobretudo depois de terem vivenciado graves surtos de Febre Amarela, Varíola e Gripe Espanhola.

Isso porque a Meningite pode ser contraída de diversas formas. A Meningite bacteriana se espalha principalmente por meio dos alimentos. Já a forma viral da doença pode ser adquirida através do contato com objetos ou pessoas infectadas e o tipo fúngico pelo solo ou ambientes contaminados.

Passada a fase mais difícil da doença no estado até então, a situação da meningite só voltaria a ser considerada normal anos depois de ter atingido o pico, mais precisamente em 1926. Depois disso, São Paulo enfrentaria uma nova onda de meningite na década de 40.

Em 1948, a doença assolou o interior o estado. Naquele ano, a Assembleia Legislativa autorizou o Poder Executivo a usar, por meio da abertura de crédito suplementar, setecentos e quinze mil cruzeiros para o combate do surto epidêmico no município de Casa Branca.

No mesmo ano, os deputados também analisaram um projeto de lei que previa a concessão, aos funcionários que trabalharam no surto de meningite que assolou diversos municípios, do benefício previsto no artigo 100 da Constituição Estadual, que determinava a contagem em dobro, para todos os efeitos, do tempo em que o servidor prestou serviço de defesa da população durante a calamidade pública.

Década de 70: o surto mais intenso

Apesar da gravidade de todos os surtos vivenciados pelos paulistas ao longo século 19 e 20, nenhum foi tão intenso quanto o da década de 70. Nos anos 60, a doença voltara a atingir diversos países do mundo, inclusive o Brasil. Em São Paulo, a epidemia teve início em abril de 1971. Devido a centralização das ações de combate à doença pelo governo federal em virtude do regime político vigente à época, as medidas que podiam ser adotadas pelos demais entes da federação eram limitadas. Ainda assim, o Estado de São Paulo contribuiu para o controle da epidemia.

Documentos sob guarda do Acervo Histórico da Assembleia Legislativa mostram um papel ativo dos parlamentares no acompanhamento da crise sanitária. São mais de 30 registros de discursos na tribuna em que os deputados comentavam sobre a incidência da doença em diferentes regiões, as possíveis causas, a velocidade da disseminação da enfermidade e a necessidade de vacinação, além de visitas de autoridades sanitárias ao estado.

A análise dos números da Meningite nesse período nos permite ver com clareza as dimensões do dano causado à população. Em 1974, a doença atingiu seu período mais agudo, chegando à marca de 180 casos a cada 100 mil habitantes. Na capital, foram registradas 12.307 infecções, tendo uma média de 33 novos casos por dia.

Para se ter uma ideia da devastação, em setembro de 1990 a prefeitura de São Paulo determinou a abertura de uma vala comum no cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, na zona oeste da capital paulista, para vítimas da Meningite.

Das 1.049 ossadas encontradas, cerca de 450 eram de indigentes e de crianças menores de 10 anos que, segundo a análise realizada, foram vítimas da epidemia de meningite durante a década de 70.

Controlada a doença, embora ainda não extinta, os deputados paulistas se dedicaram à prevenção de novas infecções. Em dezembro de 1975, foi aprovada a Lei 863, condicionando o acesso a serviços públicos a garantia de que se estivesse prevenido contra a meningite.

Além das demais condições previstas na legislação vigente à época, a lei determinava a apresentação de atestado de vacinação contra a meningite para matrículas em instituições de ensino, públicas e privadas, para a admissão no serviço público, obtenção de cédula de identidade e atestado de antecedentes criminais.

Nas décadas seguintes, os paulistas tiveram de conviver com a doença, mas de forma menos grave que os surtos presenciados até então. Isso aconteceu em decorrência do diagnóstico cada vez mais precoce, o desenvolvimento do tratamento adequado, maior atenção da classe médica aos primeiros sintomas da doença e ao estado de alerta da população.

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