Presidente do conselho deverá explicar ingerências na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa

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02/06/2023 11:56 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Giannazi (ao centro) preside audiência pública <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2023/fg302479.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Tendo presidido a Assembleia Legislativa entre os anos de 1989 e 1991, o ex-deputado Tonico Ramos voltará à Casa, agora na condição de depoente na Comissão de Saúde. Atualmente, ele é presidente do conselho curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho (FAVC), mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e vem sofrendo uma série de acusações.

A cobrança de explicações de Tonico Ramos, solicitada por Carlos Giannazi (PSOL) no início da semana e já aprovada pela Comissão de Saúde, foi apresentada como um dos encaminhamentos na audiência pública promovida pelo deputado em 31/5, evento realizado a pedido de professores da faculdade e principalmente de seus alunos, que estão em greve estudantil desde 24/5.

Ingerências

Melina Houlis, presidente do centro acadêmico do curso de medicina, enumerou as acusações contra Tonico Ramos formalizadas em uma representação elaborada pelo conselho fiscal da própria FAVC. Entre elas está o uso de funcionários e do cartão corporativo para fins pessoais; o uso da estrutura da fundação para a produção e divulgação de propaganda política; o assédio moral a funcionários; e a indicação de aliados para ocuparem cargos estratégicos, como o comando da auditoria interna.

A situação é tão grave que o próprio presidente da Diretoria Executiva pediu afastamento por discordar dos desmandos. Em resposta, em vez de deixar assumir o vice-presidente, como determina o estatuto, Tonico nomeou um homem de sua confiança para o cargo, em uma reunião que não teve nem mesmo sua ata formalizada.

Além dessas irregularidades, o ex-deputado também vem cometendo ingerências na área acadêmica, extrapolando as atribuições de seu cargo. Isso inclui a demissão arbitrária e injustificada de professores sem ao menos a prévia comunicação aos diretores dos cursos.

Filantropia versus mercado

"A filantropia do nosso hospital-escola é o que atrai, marca e caracteriza um aluno da Santa Casa. Nos últimos tempos, entretanto, percebemos que esse valor vem perdendo espaço para uma lógica de mercado", lamentou Melina, que criticou a irrisória quantidade de bolsas sociais oferecidas aos alunos do curso de medicina - apenas cinco, entre 180 alunos.

Ela também relatou como o valor das mensalidades vem aumentando exponencialmente nos últimos anos - atualmente, a mensalidade do curso de medicina supera os R$ 9 mil -, mas sem a correspondente melhora nos campos de estágio ou na remuneração dos professores.

"Não é possível crescer sem autonomia acadêmica e garantia dos direitos de funcionários, docentes e alunos", afirmou Gisele Klautau, diretora da faculdade de medicina, que pediu o afastamento dos investigados para garantir a lisura das apurações internas, além da garantia de estabilidade ao corpo docente durante todo o processo de investigação. Gisele ainda fez questão de ressaltar a distinção entre a Irmandade Santa Casa de Misericórdia e a FAVC, sendo que apenas esta última sofre denúncias de irregularidades.

Fim da fonoaudiologia

Noemi Takiuchi, vice-diretora da faculdade de fonoaudiologia, informou como todos foram surpreendidos no início deste ano com a decisão do conselho curador de fechar o curso de fonoaudiologia, determinando a não efetivação de matrículas dos aprovados no vestibular, bem como o encaminhamento dos alunos a outras instituições de ensino. A justificativa seria um alegado déficit financeiro, nunca antes levado ao conhecimento da área acadêmica. "Somos um curso de excelência, de projeção nacional, com mais de 200 alunos matriculados entre graduação e pós-graduação", afirmou a vice-diretora, destacando que o curso tem nota máxima no MEC e promove mais de 8 mil atendimentos por ano.

"O compromisso social da faculdade deve estar acima de qualquer outra decisão impulsionada pela questão econômica", complementou Rafael Eidi Goto, diretor dos cursos tecnológicos (radiologia e sistemas biomédicos).

Modelo de negócio

"O Sindicato dos Professores (Sinpro) tem a clareza de que essa situação é parte de um processo neoliberal que transforma todo o tipo de educação em mera mercadoria", afirmou Iberê Moreno, que representou a entidade de classe. "Por isso é tão importante defender as instituições de maior qualidade, renome e história, porque são elas que servem de modelo para as demais instituições."

A gestão de Tonico Ramos, entretanto, parece estar levando a Faculdade da Santa Casa em caminho inverso, uma vez que toma como modelo o que há de pior no ensino privado. Entre essas orientações está a implantação do ensino remoto em várias disciplinas, medida que visa a redução de custos e que contraria as recomendações do Conselho Nacional de Saúde.

Dezenas de alunos de todos os cursos - enfermagem, fonoaudiologia, medicina, radiologia e sistemas biomédicos - manifestaram sua preocupação com a perda de qualidade de sua formação, entre eles o estudante de enfermagem Pablo Moreira, que repudiou a proposta das aulas online. "Por que uma fundação filantrópica, sem fins lucrativos, se preocupa tanto com o lucro?", questionou. Para ele, o diferencial da Santa Casa está exatamente no contato com os pacientes, que hoje acontece já a partir do segundo semestre, mas que poderá ficar restrito aos dois últimos.

Apoios

Além de Carlos Giannazi, participaram da audiência pública os deputados estaduais Eduardo Suplicy e Luiz Cláudio Marcolino, ambos do PT, Paula Nunes, da Bancada Feminista do PSOL, e a codeputada Letícia Chagas, do Movimento Pretas, também do PSOL. O vereador paulistano Celso Giannazi (PSOL) se comprometeu a convocar Tonico Ramos para se explicar também perante à Comissão de Educação da Câmara Municipal, órgão em que atua como membro titular.

A deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP) enviou de Brasília uma gravação de seu pronunciamento na Câmara dos Deputados sobre o assunto, no qual pede providências do MEC e do Ministério Público. Ela esteve representada na audiência por sua assessora jurídica Beatriz Blanco, que justificou o acionamento no Ministério Público Federal. "Como é competência do MEC a fiscalização das universidades, nós entendemos que existe também uma competência do próprio MPF", explicou. A atuação do MPF seria importante, uma vez que vários manifestantes apontaram uma aparente leniência na atuação do MP estadual no caso.


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