Audiência pública apoia instalação da CPI das Funerárias na Câmara Municipal

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29/08/2023 11:58 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Deputado Carlos Giannazi (ao centro da mesa)<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg307805.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A proposta de CPI apresentada pelo vereador Celso Giannazi (PSOL) na Câmara Municipal de São Paulo com o objetivo de investigar irregularidades na privatização do serviço funerário já tem as 19 assinaturas necessárias para sua instalação. A luta agora é no sentido de pressionar aquela casa legislativa para que permita essa investigação, evidentemente contrária aos interesses do prefeito Ricardo Nunes, candidato à reeleição.

Para dar impulso ao movimento pela CPI das Funerárias, o deputado Carlos Giannazi (PSOL) abriu as portas da Assembleia Legislativa em 25/8 para a realização de uma audiência pública contra a privatização do serviço, que desde março vem sendo controlado por quatro empresas: Consolare, Cortel, Maya e Velar.

Um ponto a favor da CPI é que muitas reportagens já deram conta de que o preço dos sepultamentos subiu, em média, 400%. O ponto negativo é que a cobertura da imprensa não relata que o acesso às modalidades de sepultamento gratuito ou social, a preço subsidiado, vem sendo restrito através dos artifícios mais cruéis.

Sem velório

A permissão de velar o corpo de uma mãe, de um irmão ou de um filho deveria ser um direito garantido a todos. Mas não é para quem tem de recorrer ao sepultamento gratuito. Esse questionável benefício, uma vez que não dá direito a velório, vinha sendo garantido pela prefeitura às famílias com renda de até três salários mínimos ou até meio salário mínimo per capita, desde que inscritos no CadÚnico, às pessoas em situação de rua, aos doadores de órgãos e aos beneficiários do BPC. O que vem ocorrendo é que, para forçar o pagamento, qualquer documento desatualizado entregue pelas famílias vem sendo utilizado para que o benefício seja negado.

Por fim, mais uma humilhação. Apenas cinco dos 23 cemitérios de São Paulo se dignam a receber os corpos de pessoas pobres: o Dom Bosco (Perus), o São Luiz (Santo Amaro), o da Saudade (São Miguel Paulista) e o de Vila Formosa.

Ou sem vela

O argumento que vem sendo usado para propagandear os supostos benefícios da privatização é que o preço do funeral social teria caído 25%, ou seja, de R$ 755 para R$ 566. Mais uma mentira. Ana Maria Nepomuceno, servidora lotada na agência funerária do Cemitério de Vila Mariana, explicou que o preço antigo incluía a urna, as flores que cobrem o corpo, o véu, as velas, a taxa de sepultamento, o velório e o traslado do corpo. Hoje, os R$ 566 se referem só à urna, traslado e velório. O restante é cobrado à parte.

Qualquer cidadão paulistano pode solicitar o funeral social, e, mesmo pagando à parte as velas, as flores, o aluguel dos castiçais e paramentos, o serviço custaria um preço comparável a um sepultamento simples quando era realizado diretamente pelo Serviço Funerário, algo em torno de R$ 1.200.

Mas aí vêm as ameaças veladas e o terrorismo psicológico. Primeiro, o funeral social demoraria a sair. Seriam dois dias de espera. Depois, de maneira mais ou menos explícita, falam que, por causa da demora, o caixão provavelmente precisará estar lacrado por causa do odor, dos líquidos, dos gases? Normalmente isso é suficiente para que o familiar aceite pagar algo em torno de R$ 6 mil, o que agilizaria o sepultamento e ainda incluiria os serviços de tanatopraxia.

Um corpo, uma nota

Edilson de Lima, lotado no cemitério do Araçá, afirmou que o serviço, quando gerido pela prefeitura, adotava o sistema de pagamento único, não importando a quantidade de traslados do corpo aos locais escolhidos para o velório e para o sepultamento ou cremação.

No modelo atual, se uma cremação for contratada na agência funerária do Araçá, o contratante pagará para a concessionária Cortel o caixão, as flores de dentro do caixão, a viatura e a tanatopraxia, procedimento que não é obrigatório, mas acaba sendo embutido no preço.

Se a família optar pelo velório no cemitério de Vila Mariana, haverá nova cobrança pela concessionária Consolare referente ao velório, aos castiçais, à mesa de condolências e a mais um traslado. Por fim, no crematório municipal de Vila Alpina, um último pagamento, agora para a concessionária Velar, referente à cremação e à câmara fria. "Quando se juntam as três notas fiscais, o valor supera facilmente os R$ 6 mil. No sistema antigo, havia uma só nota. O serviço mais barato, com o caixão ?jasmim?, custava R$ 1.200, não importando onde era feita a contratação, o velório ou a cremação", relatou Lima.

O funcionário público afirmou ainda que os serviços funerários oferecidos pelo município por meio das companhias de seguro eram completos. Entretanto, depois que houve a privatização, as seguradoras só podem oferecer a seus segurados um serviço no qual não estão incluídos castiçais, flores, véu e velas. Esses serviços passaram a ser vendidos para as famílias diretamente pelas 27 agências funerárias, sempre vinculados a uma das quatro concessionárias.

Na pandemia, não

"A morte em São Paulo é uma mina de ouro", disse, sem rodeios, Amauri Guizelini, servidor lotado na agência funerária do Cemitério do Lajeado, em Guaianases. "Por que a prefeitura não pode fazer esse serviço como sempre fez e ficar ela mesma com esse dinheiro para investir onde for necessário?", perguntou, explicando que era isso mesmo o que acontecia. "Quando era prefeito, Doria falou que o Serviço Funerário dava um prejuízo de R$ 10 milhões por ano. Mentira. O que dá prejuízo é a manutenção dos cemitérios, e é o Serviço Funerário que subsidia essa atividade."

Já Sibele Garcia, da agência funerária do Cemitério da Saudade, em São Miguel Paulista, questionou por que essa privatização não ocorreu na época da pandemia. "Na ocasião, toda essa história de privatização foi abafada e nos deixaram lá, nas piores condições. Agora que a crise cessou, nos dão a notícia que nosso trabalho será privatizado." Sibele falou dos colegas que morreram e ficaram doentes, e da sobrecarga de trabalho que recaiu sobre os que ainda podiam trabalhar. "Foi um sacrifício muito grande. Nós tínhamos que entregar senhas para os familiares porque só conseguiríamos atendê-los muitas horas depois do primeiro contato", relembrou.

Edlaine Teles, do Cemitério da Quarta Parada, destacou que a privatização foi precedida pelo sucateamento da máquina. SEdilson de Limaem reposição dos quadros, cada funcionário estava trabalhando por três e, mesmo com a realização de um concurso público, os aprovados não foram chamados.

E, finalmente, quando veio a pandemia e os colegas de mais idade ou com comorbidades foram afastados, cada servidor trabalhava por quatro. "Nós nos desdobramos para enfrentar a pandemia porque sabemos o que é estar do outro lado do balcão. Por isso nos causa muita indignação quando o diretor-presidente da SP Regula, João Manoel da Costa Neto, tenta justificar todos os preços exorbitantes cobrados da população."

Licitação conturbada

Francisco Sérgio Nunes, advogado especializado em direito administrativo, entrou com uma ação popular questionando o processo licitatório que se arrasta desde 2017. Seus cinco primeiros editais da licitação foram barrados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).

Segundo o advogado, o setor de auditorias do TCM elaborou um relatório excelente, mostrando todas as irregularidades que existiam no processo. Já em relação aos conselheiros daquele órgão, disse que, "como são indicações políticas, acabam servindo aos seus senhores, aqueles que os colocaram lá".

Entre as irregularidades, Nunes aponta que nenhum dos 22 cemitérios e dos três crematórios de São Paulo tem licenciamento ambiental, seja licença prévia, de instalação ou de operação. Isso é crime ambiental, disse, apontando a absoluta falta de medidas para prevenir e remediar a contaminação do solo e do lençol freático.

Ele também citou a falta de um inventário dos bens reversíveis do serviço cemiterial e funerário, que devem ser restituídos à municipalidade ao final dos 25 anos de concessão. "Essa é uma exigência da lei federal e deve ser cumprida antes da publicação do edital. Os conselheiros do TCM não deram a menor atenção a isso."

Outra incongruência na licitação, esta apontada pelos servidores municipais, foi em relação às reformas em equipamentos da prefeitura que ocorreram depois de o preço da concessão já estar estipulado. O crematório de Vila Alpina, por exemplo, aguentou toda a pandemia com quatro fornos que estavam - e estão - em perfeito estado. Foram instalados mais quatro, e agora existem seis. Dois fornos crematórios desapareceram e não estão nem na Vila Alpina, nem na lista dos bens reversíveis. "A prefeitura gastou uma fortuna para instalar mais quatro fornos, mas ninguém sabe que dois dos antigos foram desativados e estão guardados em algum lugar na Vila Guilherme. Se não havia necessidade de oito, por que não instalaram só mais dois, pela metade do preço?", indagou um funcionário municipal, sugerindo que esse questionamento seja incluído na CPI proposta pelo vereador Celso Giannazi. Amauri Guizelini

Outra pegada

Lúcia Salles foi superintendente do Serviço Funerário por três anos na gestão Fernando Haddad. "Nós pegamos a autarquia com o déficit ?em tese? de R$ 18 milhões e a devolvemos com superávit de R$ 6 milhões. Com isso, provamos que havia uma situação de obsolescência programada", afirmou. Para ela, no momento do luto deve estar presente o Estado amparador, que deve cuidar da questão funérea, mas não só. "Luto e memória são duas coisas casadas. Ninguém vai ao cemitério celebrar a morte de alguém, mas a sua Também participaram da audiência pública a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), o advogado Maurício Canto, moradores e servidores públicos da cidade de São Paulo.


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