Dezembro Vermelho: pesquisas de cura do HIV avançam em universidade pública paulista

Enquanto resultados não chegam, o tratamento, prevenção e combate ao preconceito continuam sendo fundamentais para garantir a plena qualidade de vida das pessoas que convivem com o vírus
15/12/2025 16:45 | Saúde Pública | Gabriel Eid - Fotos: Larissa Navarro, Facebook/R. Sobhie e Acervo Pessoal/L. Baron e C. Nocentini

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Prevenção ainda é a melhor forma de evitar o vírus<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358604.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ricardo Sobhie Diaz: continuar os estudos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358606.png' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Eduardo Barbosa em evento na Alesp<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358589.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Luís Baron: autocuidado é fundamental<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358605.png' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Cintia Nocentini: preconceito é grande barreira<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358595.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Pesquisas realizadas na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e publicadas na Revista Científica Journal of Infectious Diseases apontaram para resultados promissores na cura do HIV. Liderados pelo médico Ricardo Sobhie Diaz, os pesquisadores da universidade paulista conseguiram testes com resultados 100% negativos em um dos voluntários do trabalho.

O pesquisador Ricardo Sobhie explica que os estudos consistiram na combinação de métodos que envolvem a intensificação das doses das medicações, mecanismos para mudar os ciclos dos vírus no corpo, reposição de células infectadas e vacinas terapêuticas.

O vírus do HIV, quando infecta o organismo, ocupa células específicas do sangue voltadas para a defesa do corpo. O vírus fica adormecido nessas células e, de tempos em tempos, "acorda". Quando o tratamento está em dia, os remédios antirretrovirais ficam responsáveis por matar o vírus no momento desse despertar, diminuindo gradativamente a carga viral, bloqueando a transmissão e o mantendo indetectável.

O tratamento garante a "cura funcional do vírus", impedindo que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids, se desenvolva. Ele, por outro lado, não consegue diminuir a quantidade de vírus a ponto de eliminar por completo o HIV do corpo do paciente, o que deixa a pessoa mais suscetível a inflamações e comorbidades diversas.

"Era muito difícil a gente conseguir eliminar o vírus de forma definitiva. A despeito do tratamento, as pessoas continuavam tendo um dano do HIV. Você trata, controla o vírus, a pessoa não morre de Aids, vai ter uma expectativa de vida boa, mas dentro do corpo dela continua tendo um ambiente ruim", explica Sobhie. Segundo o médico, esse "ambiente ruim" diz respeito aos vírus que continuam "escondidos" nas células, acelerando o envelhecimento do organismo da pessoa.

A partir dos resultados encontrados, Sobhie afirma que pretende tentar entender mais a fundo o que fez com que apenas um dos voluntários da pesquisa se curasse. Ele também destaca que os participantes que combinaram diferentes ações apresentaram melhores índices de redução da carga viral, o que pode indicar um caminho para as pesquisas futuras.

"Agora a gente vai continuar os estudos. A gente já sabe o que funciona melhor e o que a gente pode ajustar", conclui.

Cura social

"Se a pesquisa está em desenvolvimento, ela é importante. Se surtir bons resultados, ótimo. Se não surtir, eu continuo com a mesma toada de me tornar indetectável, de fazer sexo da melhor forma possível e de forma segura para ambas às pessoas." Luis Otávio Baron, presidente da ONG Eternamente Sou, foi diagnosticado com HIV há 37 anos, ainda nos primeiros anos da emergência global.

Ele passou por diversas fases da epidemia, incluindo o período inicial marcado pela altíssima mortalidade e pela dificuldade de acesso às medicações, sempre com uma quantidade intensa de efeitos colaterais. "Têm diferenças brutais. Por exemplo, quando comecei a tomar coquetel em 1997, eram 24 medicações por dia. Uma em jejum, outra alimentado."

Cintia Nocentini, assistente social do Centro de Referência e Tratamento de Aids (CRT/Aids), equipamento de saúde pública do estado de São Paulo, revela as diferentes fases atravessadas no tratamento da doença até os dias de hoje, quando ainda não estamos livres do preconceito.

"Vivemos desde aquele momento em que não se tinha medicação e que não sabíamos o que fazer com as pessoas diagnosticadas, que foi o início da epidemia. Até a gente chegar em uma medicação de uma única dose por dia, que não tem efeito colateral e mantém a carga viral rapidamente indetectável. Mas mesmo assim ela não tem direito de ser quem ela é porque a sociedade não permite", destaca a assistente social.

Cintia aponta que, mesmo com as possibilidades atuais de tratamento, o estigma e o preconceito são fortes barreiras para que ele chegue à todos. Segundo ela, muitos não chegam ao diagnóstico, aos serviços de atendimento ou não tomam suas medicações por medo de julgamentos.

"É muito triste para uma profissional da área social olhar para tudo isso e pensar o quanto a gente não fez e o quanto algumas pessoas se afastam e interrompem o seu tratamento por vergonha de entrar nesse serviço. Muitos relataram que entravam aqui no início de boné, óculos e não olhavam para o lado, com vergonha", conta ela.

Eduardo Barbosa, vice-presidente do Grupo Pela Vida, recebeu o diagnóstico de HIV em 1994. Ele atuava em movimentos sociais na época e, por causa da notícia, se tornou um ativista pelo direito das pessoas que convivem com o vírus. Ele conta que era comum que pessoas fossem demitidas de seus trabalhos por serem soropositivas.

"Eu particularmente, desde 1994, mostro meu rosto, dou entrevista em jornal - até com metade de uma página com minha cara - e fui superando tudo isso. Mas isso não é tão tranquilo para todo mundo." Ele reforça que é esse tabu em torno do assunto que impede que muitas pessoas continuem o tratamento e tenham uma vida absolutamente normal. "O mais importante é a cura social do HIV", resume.

A assistente social do CRT/Aids, por sua vez, pondera que nem todas as pessoas têm a obrigação de expor o seu diagnóstico para além dos profissionais de saúde. Ela indica que manter o tratamento adequado é o mais importante e é o que vai garantir a saúde dela e dos que estão ao seu redor.

"Por que a pessoa que vive com o HIV precisa dizer para o outro, se ela se trata, toma o remédio e tem carga viral indetectável? Ela está cuidando dela e também do outro. A medicação e o tratamento também é uma forma de prevenção. A pessoa que se trata tem carga viral indetectável e zero chance de transmissão", pontua Cintia.

Combate às inflamações

Luís Baron reconhece que, pela época em que se contaminou com o HIV e por tudo que já viveu, está com a saúde muito boa. Apesar disso, precisa conviver com as comorbidades que são próprias de uma doença crônica e ainda sem cura. Ele relata que tem problemas com hipertensão, inflamações prostáticas e precisa controlar regularmente os níveis de colesterol.

"Nesse momento da minha vida, realmente eu reconheço que eu sou uma pessoa inflamada. Vira e mexe eu tenho uma inflamação."

Eduardo Barbosa diz que espera que um dia a cura do HIV possa chegar para resolver as comorbidades ainda geradas pelo vírus. "O que a gente [pessoas com o HIV] espera é que venha a cura. Eu não quero só uma melhor resposta. O que a gente está querendo é que se invista em uma cura do HIV."

Na época do seu diagnóstico, há mais de trinta anos, o médico lhe deu uma previsão de apenas trinta dias de vida. No início, precisava tomar os medicamentos com muitos efeitos colaterais e muitas vezes ao dia. Ele participou da luta para que os novos medicamentos, com menos efeitos colaterais, estivessem acessíveis para todas as pessoas.

Após pressão popular, a Lei nº 9.313/1996 determinou que toda pessoa com HIV precisa ter acesso a melhor medicação disponível através do Sistema Único de Saúde. Eduardo também foi voluntário em pesquisas para o desenvolvimento de novos medicamentos.

"Ao longo dos anos eu participei de um monte de pesquisas de medicações. Eu me disponibilizei para fazer parte de estudos terapêuticos exatamente para tentar primeiro ver se funcionava e segundo para tentar melhorar a dosagem e a forma de ingestão. Foi um avanço muito importante. E hoje se a gente tem essas drogas aqui no país de uma forma mais tranquila foi por causa desse voluntariado de muitas pessoas como eu que se ofereceram", destaca.

Tabu

Luís Baron ressalta que o autocuidado é parte fundamental de sua vida e defende que isso deveria se estender para todas as pessoas, com ou sem o HIV. Para ele, tomar medicamentos pré e pós-exposição (Prep e Pep) e tomar medidas de prevenção combinada (usar preservativos e realizar testagens) "faz parte do autocuidado tanto quanto skin care, ir na academia e escovar os dentes". "Faz parte da sua relação com a sua auto estima e do seu olhar para como a sua vida será daqui a dez, 20, 30, 60 anos", diz ele.

Luís indica que o preconceito com a sexualidade é algo que impede que muitas pessoas deem seguimento no tratamento e na prevenção. Isso, segundo ele, transforma pessoas que tomam as medidas necessárias para cuidar da sua saúde sexual em "promíscuas" aos olhos da sociedade.

"Quando a gente fala de HIV, a gente fala da vida sexual da pessoa. Porque a grande maioria se infecta através da via sexual. Então, falar da sexualidade é um tabu ainda em 2025. Não se fala em sexualidade nas famílias, nas escolas e mesmo nos serviços de saúde", afirma a assistente social do CRT/Aids, Cintia Nocentini.

Luís Baron revela que conseguiu manter uma relação de confiança e muita tranquilidade com os parceiros que teve até hoje, justamente por se cuidar e não ter o tema do HIV como um tabu. "Nós estamos em 2025. Isso não deveria ser sinônimo de medo, tristeza, vergonha ou seja lá o que for. É algo que faz parte da existência das pessoas", completa.


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