O Legislativo paulista e a saúde pública em São Paulo: Varíola


07/08/2020 15:07 | Alesp e as epidemias | Luiz Rheda - Foto: Acervo Histórico Alesp

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Sede da Assembleia Legislativa no Pátio do Colégio entre 1835 e 1879<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252381.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Palácio do Governo, onde funcionou a Instituição Vacínica da Capitania de São Paulo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252380.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Projeto de Lei 29,1838 que criou a primeira instituição voltada para a vacinação antivariólica em São Paulo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252382.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Fachada principal do Instituto Vacinogênico<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252383.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Planta do Instituto Vacinogênico<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252384.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Fachada lateral do Instituto Vacinogênico<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252385.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A questão da saúde pública deixou marcas permanentes na história da cidade de São Paulo. Se a capital do Estado tem um bairro chamado Higienópolis, assim denominado em razão do seu ambiente ser considerado "limpo" ou um "local de higiene", também possui outro bairro chamado Bexiga, pelo fato de ser considerado "refúgio de bexigos", ou seja, lugar de moradores que estavam contaminados pela varíola.

Naquela época, uma forma única de enfrentar a epidemia que se alastrava pela cidade era a segregação de infectados por áreas urbanas.

A primeira vacina contra a varíola chegou ao Brasil em 1804, com a vinda da Família Real para o país. Em 1811, foi criada a Junta Vacínica da Corte, que tinha como responsabilidade a difusão da vacina antivariológica.

Um tempo depois, o medicamento perdeu a eficácia, em especial porque a vacinação constante poderia transmitir outras doenças, como tuberculose, sífilis e erisipela. Uma nova fórmula da vacina foi descoberta em 1840, na Inglaterra, e chegou ao Brasil em 1887.

O diretório vacínico

Em 1819, foi criada a Instituição Vacinal da Capitania de São Paulo, cuja sede era o Palácio do Governo, no Pátio do Colégio, onde por muito tempo funcionava na Assembleia Legislativa. Nela, a população teve acesso à vacinação em dias pré-selecionados.

Algum tempo depois, o medicamento ficou em falta e foi reintroduzido em 1828 pelo médico Hércules Octaviano Muzzi que, segundo relatórios oficiais, vacinou todos os habitantes da Cidade Imperial de São Paulo.

Naquela época, as condições de higiene eram extremamente precárias, quando comparadas aos dias atuais. Ruas sujas e águas paradas eram focos de infecção que contribuíam para a proliferação de várias doenças.

Em 1838, através da Lei 21, uma Assembleia Legislativa da Província de São Paulo determinou que todas as câmaras municipais contratariam um professor ou um perito para vacinar os cidadãos. A lei também previa a possibilidade de punição para quem deixasse de instalar os postos de vacinação dentro do período estabelecido pelas autoridades locais.

Além disso, o Governo da Província era obrigado a criar um regulamento que orientasse os responsáveis pela aplicação das vacinas e também os trabalhos da Câmara Municipal para executar corretamente o que estava previsto na legislação.

No mesmo ano, o Presidente da Província, Venâncio José Lisboa, publicou o Regulamento do Diretório Vacínico. O diretório era composto por um professor, ocupante do cargo de diretor-geral da Vacina da Província, um ajudante vacinador e um secretário.

Higiene Urbana

Nos documentos do Acervo Histórico da Assembleia Legislativa de São Paulo é possível encontrar correspondências enviadas pelos municípios e legislativo paulistas solicitando providências para auxílio no combate a doenças.

Visando a melhoria da situação sanitária urbana, a Câmara Municipal de São Paulo enviou um pedido de proibição de criação de porcos na região do Carmo, nas margens do rio Tamanduá e em outras áreas, além da aplicação de multas para quem deixasse animais de uso doméstico circular pela cidade.

O médico Ricardo Gumbleton Daunt, que morava no município de Itu, enviou uma carta ao Legislativo paulista em 1853, destacando a situação da vacinação pública na Província de São Paulo. No documento, ele defende a necessidade de uma campanha de vacinação metódica, oficial e, quando for preciso, obrigatória, sendo, neste último caso, usado ou efetivo da Guarda Nacional.

Para defender esse ponto de vista, o médico citava como exemplo vários surtos em cidades, como Campinas, Itu, Mogi Mirim, Jundiaí e Limeira, entre 1847 e 1850, que resultaram na morte de pais e maridos.

O surto

Na Cidade Imperial de São Paulo, apesar de preceder o controle sobre diversas doenças, foi possível apenas controlar a incidência da varíola até 1858, quando um surto da doença se espalhou pela cidade, lotando hospitais improvisados e deixando as ruas desertas.

O impacto da enfermidade foi grande na vida dos paulistanos afetados ou no abastecimento local, já que os tropeiros que traziam produtos para a cidade não ultrapassavam os limites dos municípios por medo de serem contaminados com a doença

Entre os papéis conservados pelo Acervo Histórico da Alesp e que documentam esta época da vida em São Paulo, há atestados de parabéns a pessoas que foram auxiliares de combate à varíola, como enfermeiros que atendem a testes e projetos de parlamentares paulistas que destinam recursos para o tratamento da enfermidade.

Um relatório mostra que, em 1869, foram vacinadas 51 pessoas em toda a cidade, das quais 23 eram escravas.

Esse documento está retratado na petição do médico Antônio Manoel da Silva enviado para a Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo em 14 de março de 1877:

"É sabido que uma província de S. Paulo é visitada uma vez e outra por epidemias de varíola (bexigas), que ceifam milhares de vidas e paralisam uma lavoura, o comércio e a indústria, mal esta para todos.

Também é sabido que o único e poderoso preservativo da devastadora moléstia é o verdadeiro pus vacinal devidamente inoculado.

Infelizmente, o povo em geral da província não goza nem goza deste preservativo precário enquanto o governo provincial não tem médicos ou cirurgiões contratados para vacinas que ocorrem em toda a região que corre como povoações, um exemplo de muitas nações mais civilizadas.

O povo tem a abnegação da cidade ou vila onde há médicos, e estes também não são pagos (salvo algumas honrosas exceções), quase que não são prestados a vacinar algumas pessoas que apresentam, nem vão deixar de exercer a sua clínica diária para entregar esse serviço gratuito.

As câmaras municipais nada podem fazer esse respeito porque às vezes nem dinheiro têm para pagar aos seus empregados, e algumas nem para mandar varrer as ruas.Para o governo exigir pessoas caridosas e inexperientes ou serviços de vacinação, embora sejam pagas, vale o mesmo que nada, porque essas pessoas são leigas na matéria.

Finalmente, esse estado de coisas está na província de S. Paulo sujeito a epidemias continuadas de natureza e às suas consequências mais graves".


Esforço contínuo

Em mais um esforço do Legislativo Paulista para combater a doença, a assembleia Provincial aprovou, em 1874, a Lei nº 52, que criou o Instituto Vacínico Provincial e determinou ao presidente de São Paulo regulamentar uma norma.

Em dezembro desse ano, João Theodoro Xavier cumpriu a determinação do Poder Legislativo e organizou o novo órgão com um número maior de funcionários que o Diretório Vacínico criado na antiga capital de São Paulo.

Foram contratados cidadãos para carga geral de inspetor e ajudante, comissário vacinador municipal em cada cidade e em cada paróquia, secretário e porteiro. Além de mais cargas, o Instituto Vacínico era provincial e obrigado por lei a vacinar todas as pessoas de São Paulo, inclusive crianças maiores de três meses.

Em 1886, foi criada a Inspetoria Geral de Higiene para fiscalizar o trabalho dos médicos e elaborar estatísticas sanitárias e de combate à varíola. Uma nova instituição teve uma atuação mais incisiva que o Diretório Vacínico da Capitania de São Paulo e o Instituto Vacínico Provincial.

Nenhum resultado de varíola ocorreu no ano de criação da Inspetoria. O órgão coordenou a vacinação em toda a Província, importando medicamentos da Inglaterra e adotando as primeiras providências para a produção nacional de uma vacina para a doença.

Código sanitário

Após a proclamação da República, uma variação da doença continuou se manifestando entre a população paulista. Em 1892, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou a Lei nº 43, no dia 18 de julho, instituindo um código sanitário.

Não foi apenas o Brasil que mudou a Monarquia para a República e São Paulo para a Província para o Estado. A Inspetoria Geral de Higiene deu lugar ao Instituto Vacinogênico que, dirigido pelo médico Arnaldo Viera de Carvalho, ficou responsável pela produção da vacina antivariológica animal em larga escala.

Após permanecer em instalações provisórias, em 1894 o Instituto foi instalado em caráter definitivo em um conjunto de cinco pavilhões no bairro de Cambuci, na esquina das ruas Pires de Motta e Mazini, sendo a primeira repartição do Serviço Sanitário de São Paulo a ter sua própria sede , em uma demonstração de como o combate à varíola não estava no foco das autoridades sanitárias paulistas.

Ainda restaria um longo caminho até o dia 8 de maio de 1980, quando a Organização Mundial da Saúde considerou a doença como erradicada do planeta, mas os primeiros passos para essa conquista, sem dúvida nenhuma, tiveram um importante apoio do Legislativo paulista.

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