Fundação Butantan pretende desalojar duas escolas e dois equipamentos de saúde para ampliar fábrica

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22/11/2022 09:38 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Fundação Butantan pretende desalojar duas escolas e dois equipamentos de saúde para ampliar fábrica<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2022/fg292360.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O deputado Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi (ambos do PSOL) receberam na última quinta-feira (18), em audiência pública na Alesp, profissionais e usuários dos quatro equipamentos públicos que estão em risco de ser demolidos, caso se concretize o plano diretor da Fundação Butantan, que pretende ampliar sua fábrica de vacinas ali mesmo no bairro vizinho ao campus da USP.

"É bom deixar claro que ninguém aqui é contra as vacinas", explicou o deputado, logo no início da audiência, "mas existem alternativas que não impliquem a destruição de quatro equipamentos públicos tão necessários". Ele se referia à Escola Estadual Alberto Torres, à Etec Cepam (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal), vinculada ao Centro Paula Souza, a um Centro de Saúde, e a um Ponto de Economia Solidária.

Fundação Butantan vs Instituto Butantan

Somente com o depoimento do pesquisador científico que atua há 28 anos no Instituto Butantan dissipou-se uma dúvida que provavelmente angustiava todos os participantes da audiência. Como uma instituição de servidores públicos, conduzida por cientistas, poderia demonstrar tamanho desprezo por outros equipamentos públicos tão importantes para a saúde e a educação? E a resposta, embora triste, é bastante clara. O Instituto Butantan, um órgão da administração direta, vem sendo aos poucos sufocado e suas funções assumidas pela Fundação Butantan, uma entidade de direito privado. Sem concursos públicos, dos mil servidores do instituto, restam 400, cada vez mais escanteados. Já a fundação privada tem mais de 3 mil funcionários.

Criada em 1989 para custear pequenas despesas, como bolsas de estudos, a Fundação Butantan, com o decorrer dos anos, passou a ser usada para resolver um impasse administrativo. Os soros e vacinas fornecidos pelo Butantan ao SUS eram pagos pelo Ministério da Saúde ao Tesouro do Estado, e esse dinheiro não voltava para os laboratórios. Isso acontecia porque, como órgão da administração direta, o Instituto Butantan não possui personalidade jurídica própria. Então os repasses da União começaram a ser feitos diretamente à Fundação.

Entretanto, a partir da vacina da Influenza, esses valores se avolumaram imensamente. Em 2014, o superávit da fundação foi de R$ 1,2 bilhão. Em 2021, com a coronavac, foi de R$ 2,5 bilhões.

EE Alberto Torres

Em 2021, a Escola Estadual Alberto Torres conseguiu dar início à reforma da estrutura que abrange seus dois laboratórios de ciências, a biblioteca e ainda uma sala de aula. No meio da obra, com o telhado já posto abaixo, a empreiteira contratada simplesmente deixou o local sem sequer recolher o entulho, tarefa que foi realizada pela própria comunidade escolar enquanto elaborava ofícios questionando a todas as instâncias possíveis o que havia acontecido.

"Nós entendemos a necessidade de o instituto crescer, o que nós não conseguimos entender é como nós, que estamos vivendo naquele ambiente, sequer fomos consultados sobre nada", afirmou o professor Ricardo Jesus, que reivindica, antes de mais nada, que a comunidade da EE Alberto Torres seja considerada um agente na discussão a ser travada. Já os estudantes Gabriel Tardeu e Stefani Vitoria destacaram os 90 anos de história daquela que foi a primeira escola agrícola do estado e hoje, integrando o Programa de Ensino Integral, atrai alunos de bairros distantes pela qualidade oferecida.

Centro de Saúde

Representando o Centro de Saúde Escola Butantã, Ademir Lopes explicou que a unidade é uma parceria da Faculdade de Medicina da USP com a Secretaria Municipal de Saúde que atende 25 mil pessoas e possibilita a formação de 300 alunos de medicina, sejam graduandos ou residentes. Para isso, conta com uma estrutura invejável, se comparada a qualquer UBS. São 48 consultórios, 6 salas de grupo, um anfiteatro, que possibilitam uma série de serviços que não costumam ser oferecidos em UBSs, como saúde mental, fonoaudiologia e fisioterapia.

"Nós nunca fomos consultados para que estudássemos possibilidades, tampouco a diretoria da faculdade de medicina. Em 2019, andou-se falando em deslocar o centro para dentro da USP, mas é preciso lembrar que uma unidade de saúde tem de estar inserida em seu território, proporcionando fácil acesso à população atendida", ressaltou.

Etec Cepam

O Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam), também conhecido como Fundação Prefeito Faria Lima, foi extinto em 2015, como parte do desmonte do Estado que vem sendo promovido há décadas pelo PSDB. Um vestígio de sua existência é a Etec Cepam, escola técnica criada em 2011 numa parceria com o Centro Paula Souza com o objetivo de oferecer formação de nível médio voltada à área pública. Situada na Cidade Universitária, agora é a Etec Cepam que corre o risco de desaparecer, já que seu terreno está sendo cobiçado pela fundação privada. "Essa é uma das cinco escolas temáticas do Centro Paula Souza, e toda a sua estrutura foi pensada para estar naquele local. Nós não temos laboratórios, os cursos são viabilizados em parcerias com a USP e com a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados)", afirmou Joyce de Camargo, representando a diretoria da unidade.

Ponto de Economia Solidária

O nome completo é Ponto de Economia Solidária, Comércio Justo, Cooperativismo Social e Cultura do Butantã. Trata-se de um equipamento da Rede de Atenção Psicossocial SUS que promove inclusão social através do trabalho e da geração de renda. "É uma trabalho inovador, de sucesso, reconhecido não só no Brasil como também no exterior", afirmou a produtora de cinema Sonia Hamburger, membro do conselho gestor do espaço, que funciona desde 2016.

Sonia destacou que o Ponto, fruto do movimento antimanicomial que remonta há três décadas, vem sendo objeto de vários estudos da PUC, Mackenzie e de vários departamentos da USP. Isso facilitou a mobilização no meio acadêmico que, somada à pressão social, fizeram com que a Secretaria Municipal de Saúde, gestora do serviço, se manifestasse contra a cessão do terreno. "E nós também conseguimos comprovar que a propriedade do terreno é do município, e não do Estado", comemorou.

Meio ambiente

Hélio Camargo é membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades). Ele relatou que as duas primeiras obras de ampliação das instalações do Butantan foram feitas praticamente às escondidas, no meio da mata, mantendo a sociedade alheia à derrubada de mais de 500 árvores. Foi somente na terceira obra, também esta oculta pelo bosque, que denúncias anônimas alertaram a população, fazendo com que o Ministério Público interviesse.

Mesmo estando prevista a retirada de outras mil árvores de um local classificado como Área de Proteção Permanente (APP) e tombado pelo patrimônio histórico municipal e estadual, os processos no Compresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) e Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado) vêm sendo aprovados. Uma observação a esse respeito foi feita por Mario Balanco, do coletivo Butantã na Luta. O presidente do Condephaat, Augusto Mattei Faggin, é o proprietário do escritório de arquitetura que assina o projeto dos novos prédios do Butantan.

Encaminhamentos

Como o Ministério Público já foi acionado em suas promotorias de Meio Ambiente e de Saúde Pública, serão encaminhadas agora representações às promotorias de Educação e de Habitação e Urbanismo, de forma a cobrir os principais direitos que estão sendo ameaçados. "E nós vamos pedir reuniões com todas elas. O promotor tem que receber o movimento, tem que conversar, perceber que existe mobilização", completou Carlos Giannazi. O deputado ainda vai requerer a alguma comissão permanente a convocação do diretor da Fundação Butantan, Dimas Tadeu Covas.

Em âmbito municipal, o vereador Celso informou que até o final deste ano o prefeito Ricardo Nunes deve apresentar à Câmara uma atualização do Plano Diretor Municipal, e este será o momento de defender a tese de que a ampliação das instalações industriais do Butantan naquele local são compatíveis ou não com o desenvolvimento ordenado da cidade.


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