Indignação com corte de verba para pagamento de bolsas reacende debate sobre desvalorização do pesquisador científico no país

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14/12/2022 09:00 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Audiência pública: objetivo de longo prazo é a revalorização do pesquisador científico no novo cenário da educação<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2022/fg293879.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O recente bloqueio de verbas do Ministério da Educação, que impossibilitou o pagamento dos salários dos médicos residentes e das bolsas de estudos dos pesquisadores científicos, além dos programas de auxílio permanência, deve se resolver completamente nos próximos dias. O MEC já anunciou o recebimento de R$ 460 milhões, dos quais R$ 300 milhões serão repassados a órgãos como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Até o início da semana, porém, somente parte dessa verba estava disponível. Conforme informou Martha Gaudêncio, presidente do Diretório Acadêmico da UFABC, a universidade teve o corte de R$ 7 milhões em despesas já empenhadas e a última segunda-feira (12) só recebera de volta R$ 290 mil, o suficiente apenas para os auxílios sócio-econômicos.

Bolsonaro recuou, e recuou por medo de ser responsabilizado pelo Supremo Tribunal Federal, no mandado de segurança protocolado pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), pela União Nacional de Estudantes (UNE) e pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), entidades que também vêm promovendo intensa mobilização nas instituições públicas de ensino.

Pressão popular

Na audiência pública promovida por Carlos Giannazi (PSOL), no auditório Franco Montoro da Alesp, o professor da Unifesp Fabio Venturini explicou que governos como o de Bolsonaro, de feitio autoritário, recuam de medidas impopulares ou as mantém com base em sua percepção da aceitação popular. Se houver pressão social contra a medida, ela será revogada enquanto se mantiver a pressão. Nesse sentido ele elogiou a eficácia de uma audiência pública semelhante àquela, realizada por Giannazi em 17 de maio, quando a mobilização popular conseguiu reverter o fechamento do ambulatório de fonoaudiologia da Unifesp, unidade que fornece gratuitamente à população aparelhos auditivos e atendimento multidisciplinar.

Arrocho

Representando a Associação dos Docentes da UFSCar, Monica Loyola relatou que o projeto do Orçamento da União para 2023, conforme proposto por Bolsonaro, prevê R$ 17 bilhões para a área do Conhecimento. Para recompor o que foi, em valores nominais, o Orçamento de 2019, essa área deveria receber um aporte de R$ 8 bilhões. Ela também citou dados do Observatório do Conhecimento, segundo o qual, desde 2015, R$ 100 bilhões deixaram de ser investidos na área.

Monica também criticou a ironia da Emenda Constitucional 95, que implantou o teto de gastos com a justificativa de dar estabilidade, segurança e previsibilidade ao mercado. "Acontece que, para isso, ela impõe uma não previsibilidade, uma insegurança absoluta para todo o sistema educacional do país."

Carolina Gabas Stuchi, pró-reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional da UFABC, contou como depois de a universidade ter iniciado o ano de 2022, já com um orçamento inferior ao do ano precedente, sofreu em junho um corte de 7,2%, e agora outro corte de mais 6,8%. "O que é mais absurdo é o ?bloqueio do financeiro?, do dinheiro que iria pagar o que já estava comprometido", explicou.

O professor Anderson da Silva Rosa, responsável pelo Núcleo de Apoio ao Estudante da Unifesp, empenhava antecipadamente os valores dos auxílios-permanência como forma de garantir que eles não fossem contingenciados. Esse artifício funcionou até o mês de novembro. "Tivemos que fazer um documento na universidade pedindo para que os professores repusessem provas e desconsiderassem faltas na semana passada porque teve aluno que não conseguiu chegar na universidade porque não tinha dinheiro para pagar a condução."

Lucca Franco, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFABC, considerou vergonhosa a criação de dificuldades para o pagamento de bolsas e auxílios que já são tão baixos, e que não são reajustado desde 2013. "Com esse valor, um pesquisador tem de pagar aluguel e todas as suas despesas. Uma bolsa de mestrado é de R$ 1.500", desabafou. Já João Gabriel, do DCE do IFSP, enxerga um plano específico de expulsar os estudantes pobres, fazendo crescer a evasão. "Depois da pandemia, nós tivemos o dobro de inscrições para o programa de auxílio-permanência, e não foi possível abrir um novo edital para acolher esses novos ingressantes."

Fuga de cérebros

Da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Gabriela Beraldo informou que 90% da ciência produzida no Brasil é feita por pesquisadores em pós-graduação; 80% em instituições públicas. E a esses profissionais, que seriam a peça-chave do desenvolvimento nacional, é reservada uma remuneração tão precária.

A consequência mais comum é aquela óbvia, a fuga de cérebros. Os pesquisadores vão fazer mestrado e doutorado fora e acabam ficando por lá, produzindo ciência e tecnologia. "Isso poderia estar gerando recursos para nossa nação, melhorando a vida das pessoas. Nós estamos perdendo o que nós temos de melhor!", lamentou.

Gabriela, por outro lado, afirmou estar feliz com a sinalização positiva do GT de transição em incluir na PEC a proposta de reajuste de 40% nas bolsas. "É um reajuste que ainda não repõe a defasagem, mas é uma vitória muito grande e vai fazer diferença na vida de muita gente. O perfil de quem está na universidade pública mudou. Hoje as pessoas precisam ter condições de permanência", explicou.

Mau presságio

Bolsonaro é página virada na história, e a situação das federais há de melhorar. Mas o bolsonarismo persiste, sobretudo no Estado de São Paulo. Por isso, os debates também giraram em torno do que está por vir nas universidades estaduais. A resistência será dura nos próximos quatro anos.

"Os nossos chefes serão o que há de pior na escória bolsonarista. Então, mesmo que as universidades federais em território paulista estejam em situação orçamentária melhor, elas ainda vão se engajar em muita luta junto com as estaduais, junto com o professorado e junto com todas as outras categorias do serviço público. A nossa luta não para em 1º de janeiro. Ela precisa recomeçar com mais força", afirmou Raul Amorim, estudante de biologia na UFSCar e professor de ciências na rede estadual.

No mesmo sentido, a professora Michele Schultz, do Fórum das Seis e do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), destacou que a luta deve ser unificada. "Os institutos públicos de pesquisa compõem um sistema integrado. Muitas e muitos de nós temos colaborações entre as universidades, os projetos acontecem sistemicamente. Quando se ataca um elo desse sistema, o todo é afetado", explicou. A docente também destacou que há em São Paulo dezenas de cidades que possuem campus estaduais e federais, algo estratégico para a geração de conhecimento, para a geração de serviços e para a economia local.

Carlos Giannazi, que já protocolou representação junto à Procuradoria-Geral da República em São Paulo, vai agora pedir a unificação de todas as representações apresentadas pelas entidades estudantis e de docentes com o mesmo procurador, e que este realize uma audiência pública para ouvir os depoimentos. Essa iniciativa deve seguir em paralelo àquela que será tomada pelas entidades junto à equipe de transição e ao novo titular da pasta, assim que for anunciado.

Participaram da audiência o vereador Celso Giannazi (PSOL) e a estagiária da Alesp Gabriele Los Angeles, estudante de relações internacionais da UFABC que idealizou a audiência e fez o contato entre o gabinete de Giannazi e as entidades.

alesp