Orçamentos públicos durante o Império mostram aspectos da sociedade e da economia no Estado de São Paulo

Gastos com eliminação de formigueiro e catequese indígena são alguns exemplos
17/12/2021 12:31 | Orçamento | Maurícia Figueira - Foto: Arquivo Agência Alesp

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Peça Orçamentária analisada pela Alesp em 1838 á 1837<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280519.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Peça Orçamentária analisada pela Alesp em 1838 á 1837<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280520.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Peça Orçamentária analisada pela Alesp em 1838 á 1837<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280521.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Peça Orçamentária analisada pela Alesp em 1838 á 1837<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280522.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Peça Orçamentária analisada pela Alesp em 1838 á 1837<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280523.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Plenário Juscelino Kubistchek <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280524.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Plenário Juscelino Kubistchek <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280525.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Plenário Juscelino Kubistchek <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280526.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Plenário Juscelino Kubistchek <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280527.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Plenário Juscelino Kubistchek <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2021/fg280528.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou, na quarta-feira (15/12), o maior orçamento estadual da história paulista: serão R$ 286,7 bilhões para serem aplicados na manutenção dos serviços e novos investimentos no próximo ano.

O Poder Executivo, na mensagem enviada com o Projeto de Lei 663/21, que fixa o Orçamento para 2022, ressaltou o contexto atual do Estado. "O contorno social e econômico que delineia a preparação do orçamento do próximo ano permanece diretamente influenciado pelos graves efeitos de diferentes ordens decorrentes da pandemia do novo coronavírus".

Assim como a pandemia da Covid-19 se reflete no orçamento estadual, as transformações na economia e sociedade refletiram em orçamentos passados. Nos primeiros textos orçamentários aprovados pela Assembleia Legislativa, no século 19, apareciam termos como "catequização de indígenas", "imposto sobre aguardente", "impostos sobre venda de escravos", mostrando como eram diferentes aqueles tempos. É possível fazer um breve retrato da sociedade paulista pelos valores e preocupações ressaltados nos orçamentos ao longo do tempo.

Dízimo, catequese indígena e imposto sobre aguardente

O Acervo Histórico da Assembleia Legislativa tem sob sua guarda os projetos e manuscritos dos orçamentos estaduais desde 1835. Analisar esses documentos nos proporciona curiosidades sobre o Estado de São Paulo.

Criadas em 1835, cabia às Assembleias Provinciais aprovar o orçamento tanto das províncias - atuais Estados - quanto dos municípios. As Câmaras Municipais tinham, portanto, se transformado apenas em órgãos consultivos. Na época, a Província de São Paulo (atual Estado de São Paulo) tinha cerca de 326 mil habitantes - bem distante dos 46 milhões atuais. Havia apenas uma cidade - São Paulo - e 45 vilas. E mais: o atual Estado do Paraná fazia parte da província paulista.

Nesse contexto de São Paulo provincial, quando ainda não era a potência econômica de hoje, os termos que circulavam nos orçamentos eram bem diferentes dos atuais. Além da catequese e civilização dos indígenas, entre as despesas do primeiro Orçamento aprovado pela Assembleia, em 1835, destacamos verba para a casa de prisão com trabalho.

Gastos com as estradas eram significativos. Entre eles, havia a previsão de dois contos de réis para elaborar "plano de uma estrada de carro" na região de Iguape. Lembrando que os carros eram, na verdade, carros de bois. Os automóveis ainda demorariam muitos anos para chegar ao Brasil.

Os dízimos tinham posição de destaque na previsão de receitas para o ano financeiro de julho de 1835 a junho de 1836. Apesar da conotação religiosa, o dízimo não revertia em benefício do clero e sim do fisco. Cobrado da saída de produtos agrícolas e manufaturados para fora da Província, o imposto foi renomeado em 1840 para direitos de saída e representaram, por muitos anos, grande parte das receitas provinciais devido às exportações de café.

Apesar de os dízimos serem impostos provinciais, a religião oficial era a católica. Uma das implicações disso era a permissão de gastos públicos com a igreja. Ainda no Orçamento de 1836 havia a previsão de gastos públicos com o vigário geral e párocos. Dentro da rubrica "obras públicas", no Orçamento de 1840, estava a previsão de gasto com obras das igrejas de Apiaí, Santa Isabel, Itapetininga, entre outras. Isso se repetiu em outros anos, durante o período do Império.

As igrejas eram consideradas prédios públicos, como é possível visualizar no documento sobre despesa provincial para o ano financeiro de 1836 a 1837. De acordo com esse documento, o governo pagaria aluguel do local onde funcionavam escolas, mas apenas se essas não estivessem em algum prédio público ou convento.

Nas receitas, ressaltamos peculiaridades que nos mostram como eram diferentes aqueles tempos quando, por exemplo, a escravidão ainda estava longe de acabar. Chamados de meia sisa, os impostos sobre venda de escravos renderiam aos cofres da província nove contos de réis. Segundo a lei orçamentária de 1835, só não se pagaria esse imposto quando se fizesse "troca de escravo por escravo, ou por bens de raiz". Não cabia meia sisa para aquisição de liberdade.

Outro imposto singular era cobrado sobre a cachaça. Com previsão de render 5,4 contos de réis aos cofres provinciais, eram cobrados 20% sobre as aguardentes consumidas. Esse é um aspecto interessante da Província nos idos de 1835, pois, antes da expansão do café, São Paulo tinha plantações de cana de açúcar, apesar de não terem a importância econômica que o café teria nos anos seguintes.

A expansão da lavoura cafeeira é visível nos orçamentos da província de São Paulo. Nos primeiros orçamentos votados pela Assembleia Provincial, boa parte das receitas vinha da cobrança de pedágios sobre pontes e estradas. Já no final do século 19, os impostos cobrados pela saída de produtos paulistas para outras províncias ou países representavam cerca de 50% da receita de São Paulo.

Monumento do Ipiranga, formigueiros e iluminação pública

A previsão para a construção de um monumento no Ipiranga para homenagear a independência do país já estava prevista no orçamento de 1838, apesar de sua inauguração ter ocorrido apenas nas comemorações do centenário, em 1922. Também em 1838 previam-se obras para o encanamento do rio Ipiranga para fornecimento de água à cidade.

Além de analisar e aprovar o orçamento da província, a Assembleia também legislava sobre os orçamentos locais, a serem administrados pelas Câmaras Municipais. A curiosidade aqui vai para a previsão de gastos com "extinção de formigueiros". O orçamento de 1840 previa gastos com a praga para a Câmara de São Paulo e para as Câmaras das vilas de Bragança, Porto Feliz, Capivari, Franca do Imperador, Sorocaba e Mogi das Cruzes.

Quanto à iluminação, poucas ruas da província contavam com lampiões - ainda a azeite, os lampiões a gás viriam depois. No orçamento de 1845, previam-se despesas com iluminação pública da capital "para que dure toda a noite". A instalação de 200 lampiões a gás apareceu na previsão de despesas de 1850.

Imigrantes alemães para construir estradas

Com a proibição do tráfico de escravos, em 1850, a necessidade de mão de obra imigrante se intensificou. Assim, o orçamento de 1852 previa o gasto de 25 contos de réis por ano "para pagamento dos transportes de colonos até o porto de Santos, em prestações aos que os importarem, ou mandarem vir para serem empregados na agricultura, sendo as prestações correspondentes ao número importado".

No ano seguinte, novas regras foram atribuídas. Os fazendeiros que solicitassem imigrantes deveriam requerer ao governo o número de trabalhadores, e os empresários importadores não poderiam exigir dos fazendeiros "outra indenização além das passagens e módicas e indispensáveis despesas feitas com os ditos colonos, sem mais comissão alguma".

Um aspecto pouco mencionado é a contratação de mão de obra estrangeira especializada para as obras da província. Em 1855 o governo autorizou despesas para contratação de agentes em países europeus que deveriam procurar e compor um corpo de operários para trabalharem na Província de São Paulo. Esses trabalhadores receberiam adiantado os pagamentos para que eles e suas famílias viajassem ao Brasil.

Antes disso, os cofres paulistas haviam custeado a vinda de imigrantes alemães para trabalharem nas obras da Estrada da Marquesa, atual Estrada Velha de Santos, em 1839. Mas os estrangeiros não se adaptaram e a maior parte fugiu para Santa Catarina. A vinda de estrangeiros para trabalharem nas estradas havia sido aprovada na lei orçamentária de 1836. Para isso, seria aplicada parte dos rendimentos das estradas. Já o orçamento de 1838 quantificou os trabalhadores europeus que viriam trabalhar nas estradas: quatro mestres de estradas, oito pedreiros, quatro canteiros, seis calceteiros, dois ferreiros, três carpinteiros e duzentos trabalhadores.

Lembra-se das despesas com obras de igrejas? Pois bem. As igrejas também eram fonte de receita para a província. Em 1865 havia um imposto de dez mil réis sobre cada escravo de 10 a 50 anos pertencente aos conventos. Naquele ano já não apareciam mais as receitas com imposto de aguardente. Nas despesas de 1865, o destaque vai para hospital da Santa Casa e roda de expostos de Sorocaba. Eram cilindros que ligavam o interior ao exterior de instituições como Santas Casas e as pessoas colocavam bebês que não queriam - ou não podiam - criar.

Estrada de ferro

O café produzido na Província de São Paulo era transportado por tropas de burro do interior até o Porto de Santos. Com o aumento da produção e exportação, melhorias no transporte foram necessárias e, em 1867, foi inaugurada a primeira estrada de ferro paulista, ligando Santos a Jundiaí. Construir e manter estradas foi um ponto constante nos orçamentos provinciais paulistas. Era uma área estratégica para o governo, na medida em que a existência de estradas tanto possibilitava melhor escoamento da produção agrícola, quanto rendia receitas aos cofres públicos com a cobrança de pedágios.

Ainda em 1838 foi aprovado um projeto visando a construção de uma ferrovia ligando Santos a Jundiaí (Lei 115, de 30 de março de 1838), mas a linha férrea foi inaugurada apenas nos idos de 1867. A questão da linha férrea também esteve presente nos orçamentos provinciais. Em 1865 a Assembleia autorizou o governo a despender a quantia de até 2 contos de réis com a exploração de um ramal que ligasse a cidade de Itu à estação da estrada de ferro em Jundiaí, além de proceder estudos para prolongamento da via férrea.

Escravidão

Outra questão de relevância no período do Império foi a abolição da escravatura. Quando a Lei Áurea foi promulgada, em 13 de maio de 1888, a Assembleia Provincial já havia elaborado o orçamento para o próximo ano financeiro. A abolição havia sido pauta nas discussões dos deputados no plenário, com parte da bancada favorável à abolição e parte contrária.

O clima abolicionista fez parte do orçamento de 1888, promulgado em março - antes da abolição, portanto - com um artigo que dizia: "Todo aquele que libertar ou tiver libertado seus escravos sem condição alguma ou com cláusula de prestação de serviços por prazo nunca excedente a 31 de dezembro de 1888 fica relevado do pagamento dos impostos devidos à frenda provincial, relativos aos mesmos escravos, desde que seja dada baixa na respectiva matrícula". No ano seguinte, a Assembleia registrou a abolição dando fim a eventuais dívidas provenientes de impostos sobre escravos.

A construção da Catedral da Sé e impostos sobre exportação de café também constavam no último orçamento do período imperial. Para arrecadar fundos necessários para a edificação da nova igreja catedral na capital, seria elaborada uma grande loteria, cujo prazo de extração foi prorrogado na lei orçamentária de 1889. A mesma lei ditou regras para coletar impostos do café no embarque no porto de Santos e também do café transportado para o Rio de Janeiro pela Estrada de Ferro Dom Pedro 2º.


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